Automediação dos meus conflitos

quarta-feira, 23 de março de 2011
Por Danillo Bitencourt

Há algum tempo, tem me chamado a atenção as questões que envolvem o universo homossexual. Nunca tive muita proximidade com esses assuntos e confesso que não entendo muito essa “sopa de letrinhas”: já foi GLS, agora LGBT... mas o que tenho observado é que hoje eles sofrem um tipo de perseguição e preconceito que eu já vi muito por aí.

Impressiona-me a necessidade que as sociedades possuem de encontrar sempre um segmento para o “linchamento público”. Exemplos não faltam na história da humanidade: isso já aconteceu com os hebreus, com os judeus, com as mulheres, ainda hoje existem resquícios em cima dos negros... e agora a “artilharia” pesada se volta contra os gays.   Não é simples  mesmo, por mais que sejamos abertos  para esse tipo de assunto, mas quando é o seu filho que chega em casa com  um namorado pode ser que sua postura se transforme num choque.

Outro dia eu estava no centro da cidade  a caminho de Madureira, o sinal fechou, o carro parou; Eu batia com os dedos no volante para apressar a abertura do sinal; do  meu lado esquerdo tinha um desses hotéis velhos, de centro da cidade, cuja porta tem  6 metros de altura e abre somente um lado.  De repente, saíram dois  negrões (eu posso):  eles conversavam naturalmente,  nada ali  chamava a atenção,  exceto  o tamanho deles  e as suas caras de tigre.  O sinal nada  de abrir. Até, em um dado instante,  os dois começaram a se beijar  do nada.  Como do nada?  Mas sim do amor deles  ou do desejo.  No entanto confesso que se eu tivesse de bicicleta eu tinha caído, afinal era a manifestação do meu preconceito se colocando diante do sinal verde;  pois o sinal abriu e as pessoas começaram a buzinar  e rir... Eu não, nem ri e nem buzinei... mas fiquei alarmado com a cena ...  afinal eu sempre ouvi dizer que " além de preto e pobre ainda é bicha?"  E  logo eu pensar assim se sempre lutei contra a discriminação?  Que tipo de homossexualidade que meus olhos aceitariam? Será que se fossem duas meninas novinhas, loirinhas,  eu ficaria menos tenso?  Sei lá! Deixa-meeu ir embora que o buzão está atrás de mim, metendo o farol no meu retrovisor. E os dois negrões?  Ficaram lá fazendo de duas línguas um turbilhão público...  E porquê não ?

Na ultima segunda feira , estava assistindo o programa da Luciana Gimenez, quando o tema é a relação entre as igrejas evangélicas e os gays.  Confesso que é muito confuso para ser debatido em televisão, sobretudo pela condução.  A bala ta comendo, tiro pra todo lado. Piadas, agressões e deboches. O que não falta é tensão.  A única coisa que esta posta que todos concordam é que “Deus te ama".  O programa já estava acabando e não deu para eu pegar o nome de todos; mas não importa, vou tentar escrever meu sentimento e minhas inclinações  e se, porventura, parecer que eu sou homofóbico, calma!, não sou; se sou, não quero ser. Não me acuse , me ajude.  Mas não vai ser preciso, eu definitivamente não sou, a pesar do susto.

Bem, o que faz uma pessoa superior à outra? Com certeza não é a cor da pele ou gostar de pessoas do mesmo sexo. E quando o sujeito é preto, pobre e gay então, fudeu! E é por isso que estamos lançando um grupo de rap gay: o Gangsta G, que é formado por vários homossexuais, o que tem causado uma confusão enorme no rap e no hip hop.

Um dos integrantes do grupo é evangélico e ele tem contado coisas incríveis sobre sua vida no templo religioso,   como eu não sabia a que existia essa vertente religiosa,  resolvi acompanhar de perto e até a fazer um documentário sobre a vida do grupo e desse jovem gay religioso,  o programa acabou de acabar  a discussão foi exótica , não  pelo tema, mas pela abordagem. 

Eita, são nove minutos de quarta feira agora, tenho que correr... Vamos lá... Vamos lá nada. Vou deixar o Danillo escrever sobre isso, pois estou com sono  e confuso: ele é autoridade no assunto.  Danillo escreve esse texto pra mim. 

Então, Celso, seu pedido é uma ordem... Vamos conversar um pouco sobre isso.

A temática da homossexualidade (e o correto é homossexualidade, pois homossexualismo referia-se a doença, mas saiu do rol das patologias desde 1993 da Classificação Internacional de Doenças - CID - graças ao empenho do movimento homossexual brasileiro iniciado em 1985, quando da retirada pelo Conselho Federal de Medicina do termo nas classificações das doenças brasileiras) ainda é um assunto que provoca rupturas em nosso pensamento, enfreado por uma cultura heteronormativa que classifica a heterossexualidade como o aparato normal das relações humanas, esquecendo da transitoriedade que a sexualidade pode assumir num continuum que varia desde a homossexualidade exclusiva até a heterossexualidade exclusiva, passando pelas diversas formas de bissexualidade.

Quando a Central Única das Favelas, entidade construída com valores baseados na cultura de periferia e na luta social do jovem cidadão vindo de espaços socialmente excluídos, pensou na criação de um grupo de rap formado por pessoas cuja orientação sexual possa ser (ou não) diferente da sua, a primeira perspectiva foi a de incluir. Incluir, digamos, no sentido real da palavra, de chamar para perto todos aqueles que, independente das condições escolhidas para viver, são cidadãos e fazem parte deste referencial de sociedade democrática e de direitos. Foi assim que propomos, então, a criação de um grupo de rap formado por pessoas homossexuais, o Gangsta G, constituindo na cultura da periferia mais um espaço legítimo de divulgação não do conceito ou da orientação sexual das pessoas, mas um local de informação sobre a necessidade que devemos entender o outro como um ser humano, cujas especificidades possam ser ainda não reconhecidas em seu dia-a-dia.

O Gangsta G é um desejo que está sendo analisado, discutido. Estamos, e se pode perceber no próprio site da Cufa, sendo rebatido por vários comentários sobre a criação deste grupo. São pouquíssimas as pessoas que concordam com essa nova atitude do movimento hip hop brasileiro, capitaneado pela Cufa. É com nosso esforço, nossa atitude, que iremos povoar a mente das pessoas com novas idéias, novas compreensões e entendimentos. É isso que estamos necessitando: de uma força tarefa dentro de nossa entidade para que esses assuntos sejam tratados de forma mais igualitária, com o devido respeito que todo ser humano deve ter, independente de sua orientação sexual.

Precisamos entender que algumas de nossas atitudes possam transferir posicionamentos homofóbicos. Homofobia caracteriza o medo e o resultante desprezo pelos homossexuais que alguns indivíduos sentem. O termo é usado para descrever uma repulsa face às relações afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo, um ódio generalizado aos homossexuais e todos os aspectos do preconceito heterossexista e da discriminação anti-homossexual.

Cantar rap, no sentido tradutório da palavra, é bater o papo, exprimir opiniões sobre determinados assuntos que ainda não estão em voga na nossa sociedade. Assuntos, estes, em sua maioria, que mostram a real face da vida em comunidade, na favela, colocando em xeque as relações sociais estabelecidas pelo viés dos pré-conceitos inferidos em nosso cotidiano. A orientação sexual de quem vai bater o papo não tem nenhuma interferência com a qualidade musical produzida. O fato é que a poesia e a rima de um grupo de rap formado por homossexuais continuarão sendo letras de protestos a essa nossa sociedade excludente e condenatória. O rap dos homossexuais é o papo da vida de pessoas que estarão apresentando a todos nós um novo conceito de família, de relacionamento, de convivência amorosa. Um conceito de direitos humanos, de igualdade na diversidade.

Sendo assim, indagados por inúmeros comentários sobre a possibilidade da criação de um Gansgta G, a Cufa estabeleceu um fórum de discussão sobre o assunto em seu site nacional. Surpreendentemente, a maioria das opiniões ali divulgadas representa o desconhecimento de muitas pessoas no que tange ao direito humano de ser entendido em sua especificidade, de ser compreendido como um cidadão de bem, de respeito e de valor. Valores estes que vão além da cor, da orientação sexual, da idade... São valores de direitos. E para se ter direito, basta ser humano.

A CUFA convida a todos para, juntos, embalarmos no espaço musical brasileiro a oportunidade de cantar histórias de vida de gente igual a gente, cuja orientação sexual possa ser ou não diferente da nossa. É hora de colocarmos na rua, das cidades brasileiras, toda a alegria e colorido da vida promulgada sobre os valores da fraternidade, liberdade e igualdade. Vamos, CUFA Brasil, com coragem e vontade, cantar a diversidade sexual de nosso povo...

Beijos coloridos do Danillo Bitencourt.

Danillo Bitencourt é ex-presidente nacional da CUFA e hoje coordena um novo momento da Central Única das Favelas que, pontualmente, entendeu a necessidade de discutir essas demandas dentro da entidade e, por consequência, no espaço das favelas. Danillo participa, desde então, o nosso Núcleo LGBT, onde estão sendo pautados atos e ações de promoção da cidadania e direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

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